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12/11/2015 | Por: In Totum
“É na imperfeição do feito a mão que entendo o carinho em que as relações são alinhavadas e quando regadas duram para além de uma vida. Assim me sinto ao lado de pessoas fazedoras, alinhavando relações e realizando conversas fiadas ao encontro da essência do viver.”
Em nossas Oficinas do Fazer, vamos receber Nina Veiga em uma Roda de Fiar, um encontro de fiação artesanal para uma experiência, com base em sua tese de doutorado, de investigar as artes manuais como uma zona de indiscernibilidade entre as ideias, sua comunicação e materialização, onde as sensibilidades em devir possam se dar. Durante o encontro, teremos uma prática de introdução à fiação.
O fazer que inspira a descoberta para além da intenção, onde no fluxo do movimento, enquanto “fazendo”, deixam vir ideias novas. Um encontro inventivo “comigo”, com o pensar no que faço e como faço no meu dia a dia.
Deixamos aqui, uma crônica escrita por Nina, como inspiração
Boa leitura!Os alfinetes na boca espetavam-lhe uma vez ou outra a língua. Gostava daquela dor, lembrava-lhe de que estava viva. Não a deixava esquecer de que afrouxar as fronteiras entre ser dona de casa, empresária e artista da moda, era quase sempre caótico, doía, custava, mas fazia-a sentir-se viva. Lutava para dar caimento a uma gola, mas a malha teimava em seguir outra direção. Há muito sabia que, não adiantava o que fizesse, a malha sempre vencia. Naquelas horas, atribuía a teimosia da gola ao curso de design que nunca frequentou. Tolice, dizia depois, de si para si, as estagiárias das Belas Artes que cá estiveram, tinham desenhos perfeitos e elaborados, belas ideias, mas não sabiam como fazer para que saíssem do papel. Por isso, respirou fundo e deixou-se levar pelo fluxo da malha. Queria tanto a gola de um certo jeito… ideias. Pudesse ela trabalhar sem ideias prévias. Somente entrar em contato com os elementos e deixar-se conduzir junto ao movimento e, aí sim, abrir-se às ideias…. Um cheiro forte invadiu o atelier situado logo abaixo da cozinha, na grande casa, em frente à Serra de Santo António. O arroz! às pressas, cuspiu os alfinetes em cima da mesa, deixou a malha fazer o que bem quisesse e subiu as escadas de um fôlego só: tarde demais! Pegou na panela fumegante pela alça, queimando um pouco a mão. No sumiço repentino do pegador, agarrou o pano de prato e completou o trajeto até a pia. Lançou um jato de água sobre a pedra fria, pousou a panela quente sobre a poça que se formou e escutou o chiado com um misto de encantamento e desespero. Tarde demais! outra vez o arroz queimado! O marido tinha razão: estás sempre com a cabeça à lua, ana! Ainda tentando raspar a crosta escura do fundo da panela, lembrou-se de que se havia esquecido de acrescentar arroz à lista de compras. Foi o último. Faria macarrão. Um bom macarrão instantâneo resolveria o jantar. Então percebeu, no movimento da água sobre a panela, a solução: está lá! A gola! Sim, basta-me isso e a malha cairá de maneira especial. Desceu as escadas rumo ao atelier aos saltos de dois em dois, agarrou os alfinetes em cima da mesa, um deles espetou-a bem em cima do recém-queimado da mão. Sentiu dor, sentiu vida. Está cá: a gola caidinha, não do jeito que havia imaginado como ideal, mas ainda melhor: uma relação de intensidade entre o material e a ideia, o perfeito possível. Estava alegre quase eufórica. Criar o possível! Era isso que a mantinha plena e viva. Cozinharia um macarrão chinês com legumes e shoyu para o jantar. E acenderei as velas. Uma grande noite! Se o marido perguntasse o que estavam celebrando, com o jantar especial, apenas sorriria. Difícil explicar a potência que sentia. Ele não entenderia a alegria que se dá na mistura de um arroz queimado com gola de malha, queimadura e espetadas.
Para saber mais sobre o encontro, veja em nossa Agenda – Roda de Fiar