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23/12/2016 | Por: In Totum
– Ciça, este ano não vai ter nenhuma roda do fazer no Estúdio?
Esta foi a pergunta depois da oficina de retecido na Semana do Fazer da In Totum.
– Bem, podemos pensar, vou adorar. O que vocês gostariam de fazer?
E assim escolhemos bordar. Pronto, uma chamou a outra, a outra chamou a outra e assim 6 mulheres começaram a Roda de Bordados, Lúcia, Luiza, Mari, Lila, Titi e Ciça… mais tarde chega a Nayara.
Durante o segundo semestre de 2016, às segundas-feiras, nos encontrávamos no final da tarde, a cada 15 dias.
Começamos a bordar aleatoriamente alguns pontos. Quem sabe ensina, quem não sabe aprende, que sabe muito aprende um pouco mais. O ponto precioso era o encontro, a conversa, o olho no olho, o chazinho compartilhado, as histórias contadas, o estar junto… fazendo.
Em um destes encontros nos perguntamos o que poderíamos fazer juntas, em coletivo, uma vez que também entendíamos que éramos um grupo. Durante os encontros, muitas histórias eram contadas com isso ficou fácil… vamos contar histórias em nossos pedaços de pano.
E então, ok… como vamos fazer isso de maneira que seja uma história de todas? Em um grande tecido? Em pequenos retalhos e depois formamos uma colcha? Vamos pensar em um tema?
E assim, depois de mais alguns pontos veio a ideia final… Cada uma, em seu pedaço de pano, iniciaria uma história. No encontro seguinte este pano mudaria de mãos, aquela que recebe o tecido, e sobre aquele cenário, pensaria em uma história para contar que lhe fizesse sentido e assim daria sequência àquele cenário proposto. Combinamos que uma não contaria a história para a outra, somente ao final do bordado, estas histórias seriam reveladas e com certeza uma nova história surgiria… uma história contada a várias mãos.
No dia do Bazar e Festa de Final de ano da In Totum seria o grande dia de expor os bordados e histórias. Algumas trouxeram suas histórias em textos outras estão contadas apenas no bordado.
E assim ficaram nossos bordados realizados em encontros belíssimos. Com muita alegria contamos nossas histórias, falamos da vida, cuidamos do que nos é precioso e caro, trouxemos um pouco de nós para o mundo que vivemos e que nos faz sentido.
Esperamos que divirtam-se um pouco com a gente!
UM PAPO SÉRIO | Ciça
Em algum momento eu tinha este grande sonho… o de fazer um mochilão pelo Brasil. E assim em janeiro de 82, ao conhecer o Marco, ele se realizou. Saimos de São Paulo com destino a Belém, passando por Brasília… três dias de viagem de ônibus até lá. De Belém fomos para Fortaleza, e depois, Recife, Salvador e voltamos para Sampa. A cada cidade que parávamos íamos conhecendo o que mais tinha por ali e saíamos desbravando mundos.
No Ceará, fomos conhecer a tão famosa Praia de Canoa Quebrada. Quatro horas de ônibus até Aracati e de lá uma caminhonete nos levava na caçamba até a praia. Incrivelmente linda!! Chegando lá, olho para aquele cenário simples, grandioso e belo… dunas, mar, céu azul, vento e nada mais naquela imensidão… uauuuuuhh!
Com este lindo cenário, sentados uma pequena choupana de palha, foi a primeira vez que desejamos e olhamos um nos olhos do outro e falamos… “vamos ter um filho juntos!” e assim depois de 1 ano, nosso primeiro menino chegou. Aquilo tudo era tão verdadeiro, tão bonito assim como é até hoje, depois de 34 anos… e juntos.
O MAIÔ AZUL | Lúcia
Quando eu tinha uns 13 ou 14 anos ganhei um maiô novo. Sim, um maiô porque, naquela época, nenhuma menina de família quase boa ousava usar biquíni.
Ele era azul marinho e tinha na borda do decote uma aplicação de folhas brancas. Eu o achava o maiô mais lindo do mundo e, principalmente, muito original: de fato, nenhuma outra menina apareceu na praia com um maiô igual.
Eu desfilava radiante naquele maiô (quase) exclusivo e nem ligava para o menino que encompridava os olhos para mim, mencionando-me como “a menina com maiô de gola branca”.
e ainda… Lila completa o cenário com o casarão e Luiza com as pedras e a árvore
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CORRE COTIA | Mari
“Corre Cotia na casa da tia, corre cipó na casa da avó. Lencinho na mão, caiu no chão, moça bonita do meu coração. Pode jogar, pode!”
Iniciando uma roda do jardim de infância, a brincadeira salta minha memória. Doce memória de tantas rodas, rodopios e giros com músicas, cantoria, palmas, jogos de corpo, olhos risonhos trazidos de volta nessa enlaço dos fios e seus pontos com mulheres tão especiais.
BRINCADEIRAS DE CRIANÇA | Lúcia
Somos seis irmãos em escadinha – na sequência, um mais velho que o outro entre um ano e três meses e não mais que dois anos-; e, quando éramos pequenos, formávamos um bom time pra qualquer brincadeira.
Eu, particularmente, gostava de esconde-esconde, pois era uma brincadeira menos estouvada que tantas outras, e porque rapidamente eu desvendava as estratégias usadas por meus irmãos, e descobria os esconderijos preferidos por eles.
Um dos meus irmãos, por exemplo, tinha forte atração pelas moitas; e não foi uma ou duas vezes que ele saiu de lá todo arranhado ou picado.
BRINCADEIRAS DE CRIANÇAS… E DE ADULTOS TAMBÉM | Ciça
Quando crianças brincávamos muito… com os irmãos, amigos da escola, amigos da rua. Minha casa ficava em uma rua que era de terra e com isso, assim que terminávamos a lição de casa, nos encontrávamos na rua para brincar… andar de bicicleta, jogar bolinha de gude, amarelinha, esconde-esconde, roda, pular corda era uma farra. Nas férias, todos os anos, íamos para Ubatuba e chegando lá encontrávamos nossa turma da praia.
Passávamos todo o verão juntos e como não tinha lição por lá, era brincadeira o dia todo. Um belo dia alguém levou o jogo de taco e ensinou para todo mundo, divertidíssimo!! Pronto… encontro marcado, todo final de tarde rolava uma partida de taco e é claro um delicioso mergulho no mar para fechar o dia. Como é gostoso brincar, não é mesmo!!
e ainda… Luiza conta sobre a amarelinha e pular corda, Lila sobre o cachorrinho.
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Luiza começa o bordado com uma porteira, uma plantação e o tronco de uma árvore. Mari completa a copa com flores e folhas.
A COBRA | Lúcia
Quando estávamos no sítio da minha avó paterna, tínhamos o hábito de ir visitar nossa bisa, cortando caminho por uma trilha bem rústica, com muito cascalho e matinhos. Adorávamos este trajeto, as novidades que minha avó ia mostrando no caminho – um ninho de passarinhos, uma flor ou fruto silvestre… -, as histórias que ela ia contando e, principalmente, a expectativa do almoço e da merenda da tarde (uma verdadeira abundância de quitutes deliciosos).
Numa dessas vezes, eu estava usando um chinelo de dedo. De repente, dei uma topada numa pedra, e o chinelo saiu do meu pé. Quando apoiei o pé no chão, senti algo mole e frio por debaixo. E quase morri de susto quando vi uma cobra coral fugindo em direção ao mato na beirada trilha.
Devia ser uma falsa-coral, pois, segundo os entendidos, este é o comportamento típico dessas cobras. Também podia ser uma cobra-filhotinha, pois era pequena e, talvez, nem soubesse ainda morder. (Minha avó saberia dizer que tão perigosa era aquela cobra, se tivesse tido tempo de vê-la). Mas, na hora, não deu pra pensar em nada. Aterrorizada, a única coisa que me passava pela cabeça era não colocar os pés no chão. Não conseguia mais andar: ia aos pulos, desajeitada, morta de medo.
Durante meses fiquei com a sensação tátil da cobra… E acordava suando frio, com os sonhos apavorantes que vinham perturbar o meu sono de menina.
O RETORNO PARA CASA… | Ciça
Um dia a Nona foi à fazenda vizinha ao seu sítio comprar galinhas e ovos para seu galinheiro. No meio do pacote veio junto um pato com penas pretas.
No final da tarde, após o jantar, Nono e o Sr Giacomo gostavam de sentar na varanda da casa que dava para um lindo vale onde a visão ia longe, longe e lá papeavam por horas.
Em uma bela noite de luar o Nono percebe que o pato levanta voo e dá um pequeno giro pelo vale. Ele era grande e forte e suas penas pretas brilhavam com o brilho do luar. Depois de sua voltinha, ele voltava e se acomoda com seus companheiros no galinheiro.
Na próxima lua cheia, lá vai o pato. E assim a cada noite ilumina pela lua o pato fazia seu voo pelo vale. O Nono e o Sr. Giacomo começaram a observá-lo e perceberam que cada vez ele ia mais longe. Até que um belo dia, o Nono ficou esperando ele voltar e o pato não retornou.
Chegou o dia da Nona ir à Fazenda do Sr. Silvestrinni e ao chegar lá, ela encontra o pato, feliz da vida naquele lugar que era só seu.
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O MELHOR RÉVEILLON DA MINHA VIDA
O ano era 1962 ou 63, já não me lembro com exatidão. Minha mãe, eu e meus cinco irmãos passávamos as férias em Cabo Frio, como sempre fazíamos. Meu pai voltara a Belo Horizonte, pois o final de ano era sempre época de muito trabalho, e ficara de regressar para o réveillon.
Aqueles eram anos de poucas comodidades: os celulares ainda eram ficção científica e até ligação para linhas fixas precisava ser agendada na agência telefônica local; e, ainda assim, a chamada levava uma eternidade para ser completada. Também não existiam os cartões de crédito; e os cheques só eram usados em grandes operações comerciais.
Aquele final de ano foi especialmente chuvoso. A BR-040, que liga Belo Horizonte ao Rio de Janeiro sofreu muito com os temporais: próximo a Juiz de Fora, a estrada tinha vários alagamentos provocados pelo transbordamento do Rio Paraibuna; alguns trechos ficaram interrompidos por causa de quedas de pontes e deslizamento de barreiras. Enfim, a estrada ficou intransitável e vários desvios precários tiveram que ser abertos para permitir o trânsito de veículos.
Meu pai foi um dos viajantes que ficaram retidos por um ou dois dias naquela estrada. Nós sabíamos que ele havia saído de BH, mas não tínhamos notícias de onde ele se encontrava. Minha mãe tratava de não manifestar sua apreensão, mas a tensão estava no ar: a falta de notícias, o dinheiro se acabando, os mantimentos da temporada chegando ao fim…
Acho que aquele réveillon caiu num domingo, porque, de manhã, fui à missa com minha mãe, que deu esmola e, na saída, comprou um jornal. Ficamos bravos com ela: como era possível fazer esses gastos, se o dinheiro estava acabando? Ainda na saída, passamos no mercado de peixes e compramos um bonito Dourado para a noite. (Minha mãe preparava um Dourado assado e recheado com farofa que ficou inesquecível).
Eram umas dez e meia, onze da noite quando meu pai finalmente chegou ao apartamento. Ele estava sujo de lama dos pés à cabeça, a barba crescida, olheiras profundas e muito cansado. Já de banho tomado, começou a narrar as peripécias da viagem, o sufoco de ficar sem água e comida, de ter que parar inúmeras vezes para desatolar a Rural Willys e ajudar outros viajantes.
Nisso, alguém na cidade começou a soltar fogos de artifício. Saímos todos para a rua e, assim que os sinos da igreja anunciaram a meia noite, voltamos a nos sentar em torno da mesa e ceamos o peixe, com pão e vinho. Nada mais cristão e saboroso.
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… o ano que vem tem mais :)